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sexta-feira, 26 de abril de 2013

Respiração pós-esforço



EXCESSO DE OXIGÊNIO CONSUMIDO PÓS-ESFORÇO: POSSÍVEIS MECANISMOS FISIOLÓGICOS
Revista da Educação Física/UEM

Adriano Eduardo Lima-Silva, Flávio de Oliveira Pires, Rômulo Bertuzzi

RESUMO

               O consumo de oxigênio pós-esforço (EPOC) vem sendo amplamente estudado na literatura, entretanto os mecanismos fisiológicos envolvidos na determinação da magnitude e duração do EPOC não estão totalmente esclarecidos. Na presente revisão são discutidos as principais evidências relacionadas aos mecanismos fisiológicos determinantes do EPOC e o efeito da intensidade e do tempo de exercício sobre a sua magnitude e duração. O EPOC rápido parece ser decorrente da ressíntese de ATP-CP, da remoção do lactato sanguíneo, do aumento da temperatura corporal e do metabolismo lipídico. Muitas dessas alterações ocorrem com cinética diferente das encontradas para o EPOC. O EPOC lento parece decorrer principalmente do ciclo dos triglicerídeos/ácidos graxos. A magnitude e duração do EPOC parecem ser relacionadas linearmente com o tempo e exponencialmente com a intensidade de esforço. Devido a essa relação, a magnitude e duração do EPOC podem interferir em programas de redução da massa corporal.

Palavras-chave: Consumo de oxigênio. Metabolismo energético. Massa corporal. 

INTRODUÇÃO

               Durante a transição do estado de repouso para o exercício contínuo de intensidade até o limiar de lactato (domínio moderado) o consumo de oxigênio (VO2) aumenta de forma monoexponencial até atingir um estado de equilíbrio (GAESSER; POOLE, 1996; OZYENER et al., 2001). Nos exercícios realizados entre o limiar de lactato e o máximo estado estável de lactato ou potência crítica (PC) (domínio pesado), o VO2 aumenta de forma biexponencial, atingindo equilíbrio próximo ao sexto minuto de exercício, mas em valores maiores do que o estimado pela relação entre VO2 e intensidade estabelecida em exercício de domínio moderado. 

               Nos exercícios realizados entre o máximo estado estável de lactato e o consumo máximo de oxigênio 
(VO2max) (domínio severo) o VO2 também aumenta de forma biexponencial, porém ele não se estabiliza e atinge valores iguais ao VO2max. O déficit de oxigênio pode ser estimado pela área correspondente à diferença entre a demanda de VO2 para a carga (estimada a partir da relação linear entre VO2 e intensidade) e o VO2 mensurado em um determinado momento. De forma similar, o consumo de oxigênio não retorna aos valores de repouso imediatamente após o término do esforço, apresentando também um comportamento exponencial. Em outras palavras, existe um lento retorno aos valores de repouso, sendo a amplitude e a velocidade de decréscimo dependentes da intensidade do exercício.

               Esse oxigênio “extra” consumido seria utilizado para compensar o déficit de oxigênio, por isso foi chamado nos primeiros estudos de débito de oxigênio (HILL; LONG; LUPTON, 1924abc). Posteriormente, com as modificações na proposta original, tornou-se mais apropriado chamá-lo de “excesso de oxigênio consumido pós-esforço” (EPOC, do termo em inglês excess post-exercise oxygen consumption) (GAESSER; BROOKS, 1984; BAHR; GRONNEROD; SEJERSTED, 1992). O EPOC pode ser definido como o total de oxigênio extra consumido durante a fase de recuperação (litros) e pode ser calculado como a diferença entre a integral VO2-tempo pós-esforço e a integral VO2- tempo de mesmo período com o individuo em repouso (HILL; LONG; LUPTON, 1924abc). 

               Dois principais tópicos norteiam a evolução das pesquisas realizadas com o EPOC. O primeiro refere-se aos mecanismos fisiológicos que regulam o fenômeno, enquanto o segundo destina-se a descrever os efeitos da intensidade e da duração do esforço sobre a magnitude e tempo de manutenção do EPOC. Atualmente, na 
literatura científica, o segundo tópico é bem compreendido, ao passo que o primeiro ainda não foi totalmente resolvido. Assim, esta revisão destina-se a sintetizar o conhecimento existente sobre EPOC, dando um enfoque especial à história, aos mecanismos fisiológicos e aos efeitos da intensidade e duração do exercício.

[...]

EFEITO DA INTENSIDADE E DURAÇÃO DO ESFORÇO SOBRE A MAGNITUDE DO EPOC 

               Uma série de estudos vem demonstrando a importância da intensidade e duração do esforço sobre a magnitude e duração do EPOC (BAHR et al., 1987; CHAD; WENGER, 1988; GORE; WITHERS, 1990; CHAD; QUIGLEY, 1991; BAHR et al., 1991; BAHR; SEJERSTED, 1991; BAHR, 1992; BAHR; GRØNNERØD; SEJERSTED, 1992; FREY; BYRNES; MAZZEO, 1993; LaFORGIA et al., 1997; BORSHEIM; BAHR, 2003; LaFORGIA; WITHERS; GORE, 2006). Basicamente, é bem sustentado na literatura que exercícios com baixa intensidade e/ou curta duração não são suficientes para provocar um EPOC de grande magnitude e/ou prolongado (BØRSHEIM; BAHR, 2003). Em uma série de estudos, Bahr e colaboradores (1987), Bahr e Sejersted (1991), Bahr (1992) demonstraram que a magnitude do EPOC aumenta exponencialmente em função da intensidade e linearmente em função da duração do exercício. No primeiro estudo de Bahr e colaboradores (1987), seis homens realizaram 20, 40 e 80 minutos de exercício a 70% VO2max em dias diferentes, seguidos de um monitoramento do VO2 durante 24 horas. Os autores verificaram que o EPOC para as doze primeiras horas foi linearmente associado com a duração do exercício, com valores de VO2 5,1; 6,8 e 14,4% acima do repouso, respectivamente. Chad e Wenger (1988) também verificaram um aumento de 2,35 vezes no EPOC quando a duração do esforço a 70% VO2max foi aumentada de 30 para 45 minutos, e 5,3 vezes quando a duração aumentava de 45 para 60 minutos. Em posterior estudo, Bahr e Sejersted (1991) demonstraram que, após 80 minutos de exercício a 29, 50 e 75% do VO2max, tanto a duração do EPOC (0,3; 3,3 e 10,5 horas) quanto a magnitude (1,3; 5,7 e 30,1 l) aumentavam exponencialmente em função da intensidade do exercício. 

               Outros grupos de pesquisadores encontraram resultados similares, o que corrobora a influência da intensidade e duração do esforço sobre a magnitude do EPOC (GORE; WITHERS, 1990; FREY; BYRNES; MAZZEO, 1993). Gore e Withers (1990) investigaram o efeito da intensidade (30, 50 e 70% do VO2max), da duração (20, 50 e 80 minutos) e da interação entre os dois fatores sobre a magnitude do EPOC. Os autores encontraram valores de EPOC (8 horas pós-exercício) de 1,01; 1,43 e 1,04 l para 30% do VO2max, 3,14; 5,19 e 6,10 l para 50% do VO2max e 5,68; 10,04 e 14,59 l para 70% do VO2max. A intensidade do exercício foi responsável por 45,5% da determinação do EPOC, enquanto a duração e a interação intensidade-duração foram responsáveis por apenas 8,9 e 7,7%, respectivamente. Esses resultados sugerem que a intensidade do exercício seja o fator principal para determinação da magnitude do EPOC.

               Não obstante, nem todos os estudos encontraram uma relação positiva entre EPOC e intensidade de exercício. Chad e Quigley (1991) investigaram o EPOC durante três horas pós exercício a 50 e 70% do VO2max por 30 minutos em indivíduos treinados e destreinados. O VO2 mensurado durante intervalos de tempo de até três horas a partir da recuperação foi maior a 50% do que a 70% do VO2max, tanto para o grupo destreinado quanto para o grupo treinado. Provavelmente, alguns fatores metodológicos interferem na comparação entre esses estudos, pois o VO2 não havia retornado aos valores de repouso até o final da mensuração (três horas), portanto a magnitude total do EPOC não pôde ser estimada.

               Como a intensidade do esforço parece ser o principal determinante da magnitude do EPOC, era de esperar que exercício supra-VO2max gerasse valores elevados de VO2 pós-esforço. Realmente, LaForgia e colaboradores (1997) compararam a magnitude do EPOC durante nove horas após 30 minutos de exercício a 70% do VO2max e após 20 séries de exercícios, com um minuto de duração cada, realizados a 105% do VO2max e com dois minutos de recuperação entre as séries. Os autores verificaram, após o exercício intenso, valores de EPOC duas vezes maiores do que aqueles verificados após o exercício moderado (15,0 vs 6,9 l). Bahr, Grønnerød e Sejersted (1992) compararam a magnitude do EPOC após exercício intenso de uma, duas ou três séries a 108% do VO2max, com esforços de dois minutos e pausa de três minutos. Nesse estudo, o EPOC medido na primeira hora pós-esforço (EPOC rápido) foi linearmente associado com o número de séries realizadas durante o exercício. Esses resultados reforçam a hipótese de que a magnitude do EPOC está relacionada à intensidade do exercício.

               Alguns estudos mais recentes têm comparado o EPOC entre diferentes situações e modo de exercício (LYONS et al., 2006; SCOTT et al., 2006; LYONS et al., 2007). Lyons e colaboradores (2007) investigaram a magnitude do EPOC após ergometria de membros superiores e inferiores realizada a 60% VO2max especifico para cada ergômetro. O exercício foi realizado até completar 200 kcal de trabalho total. Os autores verificaram que a magnitude e duração do EPOC foram significativamente maiores para o exercício dos membros inferiores do que para o dos membros superiores. Em um estudo posterior, o mesmo grupo demonstrou que a magnitude do EPOC era maior após três séries de 10 minutos de duração cada do que após 30 minutos contínuos, ambos mensurados após ergometria de membros superiores (LYONS et al., 2006). Em outro tipo de comparação, Scott e colaboradores (2006) verificaram não existirem diferenças entre os valores de EPOC após exercício em cicloergômetro ou em esteira, ambos realizados a 250W de potência durante um minuto. Interessante que os autores verificaram uma maior participação anaeróbia durante o ciclismo e maior participação aeróbia durante a corrida, embora ambos tenham sido realizados na mesma intensidade. 

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

               A manipulação de variáveis como dieta, intensidade, modo e duração do exercício na tentativa de aumentar a magnitude do EPOC é justificada pelo possível efeito dessa variável em programas de emagrecimento (LIMA-SILVA et al., 2008). Por exemplo, Warwick (2006) demonstrou que a estimativa do gasto energético diário levando-se em consideração apenas o gasto energético de repouso e o custo energético das atividades físicas era subestimada em aproximadamente 14%. A estimativa foi melhorada quando levados em consideração o EPOC e o efeito térmico da dieta, subestimando-se o gasto energético real em apenas 5%. Os resultados desse estudo demonstram que o EPOC pode ser um componente importante para elaboração de dietas e programas de treinamento visando à redução da massa corporal.

               Em um estudo de Bahr e Sejersted (1991) foi verificado que a ingestão de uma dieta com 4,5 megajoules (MJ) aumentava significativamente o consumo de oxigênio logo após a refeição, mas a magnitude desse aumento foi independente de o individuo ter ou não realizado um exercício prévio, ou seja, foi independente da refeição ter sido realizada durante a fase de EPOC ou durante uma situação-controle de repouso. Por sua vez, Bielinski, Schutz e Jéquier (1985) observaram que uma dieta equilibrada (55% de carbohidrato, 27% de gordura e 18% de proteína) ingerida 30 minutos após três horas de exercício a 50% do VO2max, aumentou a oxidação de lipídios pós-refeição em relação a uma mesma refeição ingerida sem exercício prévio. Esses resultados sugerem que o exercício físico pode contribuir em programas de emagrecimento, não apenas por aumentar o gasto energético durante a atividade, mas também por elevar a oxidação de lipídios após o término do exercício, assim como a oxidação de lipídios após as refeições.

               No mesmo sentido, Børsheim, Kien e Pearl (2006) observaram que apenas uma dieta rica em ácido oléico foi capaz de gerar o EPOC, em comparação com uma dieta isocalórica rica em ácido palmítico. Tahara e colaboradores (2008) demonstraram ainda que a magnitude do EPOC de 40 minutos foi significativamente 
correlacionada com massa corporal magra. Um aumento na massa corporal magra somente é obtido com a prática de exercícios físicos, portanto pode interferir diretamente no gasto energético pós-esforço. LeCheminant e colaboradores (2008) verificaram uma correlação positiva entre aumento no EPOC após nove meses de treinamento e aumento do gasto energético nas sessões de exercício no mesmo período, em homens com sobrepeso ou obesidade. Em conjunto, esses resultados sugerem uma relação estreita entre dieta, exercício regular e EPOC. Estudos longitudinais verificando o efeito da combinação de diferentes dietas com diferentes modos de exercício sobre o EPOC e as consequências para a redução da massa corporal concluíram que essa combinação poderia auxiliar nos aspectos práticos que seriam obtidos ao se manipular o EPOC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

               A partir dos estudos analisados na presente revisão, pode-se concluir que os principais fatores que contribuem para o aparecimento do EPOC rápido após o exercício submáximo são temperatura corporal e remoção de lactato. A remoção do lactato parece ser mais importante após o exercício supramáximo, porém a parcela real do lactato produzido que é reconvertida a glicogênio não é totalmente conhecida, o que inviabiliza a precisão nos cálculos de estimativa do gasto energético para a remoção desse produto. Estudos separando o EPOC intramuscular do obtido por mensuração geral do organismo, também sugerem que o excesso de oxigênio consumido após uma atividade é decorrente de alterações genéricas metabólicas e hormonais. Neste sentido, uma parcela do EPOC rápido poderia ser atribuída ao aumento na temperatura corporal, à estimulação simpática e ao ciclo TG-AG. 

               Muitas dessas alterações ocorrem com dinâmica diferente da encontrada para o EPOC, sugerindo que a contribuição relativa de cada um desses componentes se modifica ao longo do tempo. Diferentemente do EPOC rápido, as catecolaminas não têm efeito direto sobre o EPOC prolongado, sendo o custo energético do ciclo TG-AG aparentemente o principal responsável pelo seu aparecimento.

               Nos estudos revisados, é bem sustentado que exercícios com baixa intensidade e/ou curta duração não são suficientes para gerar um EPOC de grande magnitude e/ou prolongado. Ambos, intensidade de esforço e duração, são os principais fatores que determinam a magnitude e duração do EPOC. A magnitude e a duração do EPOC aumentam exponencialmente em função da intensidade, enquanto aumentam de maneira linear em função da duração do esforço. Esforços de alta intensidade (supramáximos) e de curta duração parecem ser suficientes para gerar valores elevados de EPOC.

               Do ponto de vista prático, o exercício físico poderia contribuir em programas de emagrecimento, não apenas por aumentar o gasto energético durante a atividade, mas também por elevar o gasto energético durante a fase de recuperação. Como o modo, a intensidade, a duração, o tempo e o conteúdo das refeições pós-exercício manipulados parecem interferir na magnitude do EPOC, uma combinação ótima dessas variáveis poderia refinar programas tradicionais de exercício para o emagrecimento. 

Para referências e artigo na íntegra acesse:

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