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domingo, 28 de julho de 2013

Dieta ovo-lácteo-vegetariana e o exercício físico extenuante

RELAÇÕES DA DIETA OVO-LÁCTEO-VEGETARIANA COM O EXERCÍCIO FÍSICO E AS ENZIMAS ANTIOXIDANTES SUPERÓXIDO DISMUTASE E CATALASE
Revista de Nutrição da PUC-Campinas

Mírian Rocha Váquez, Ramon dos Santos EL-Bachá, Carine de Oliveira Souza, Tatiana Luzia Borges Machado, Ricardo Sereno Silva, José Gerardo Villa Vicente, Luiz Erlon Araújo Rodrigues

RESUMO

               Objetivo: O objetivo deste trabalho foi estudar a influência da dieta ovo-lácteo-vegetariana e do exercício físico extenuante sobre as atividades das enzimas catalase e superóxido dismutase em dez indivíduos masculinos, jovens e saudáveis.

               Métodos: O controle alimentar aplicou-se por quatro meses. Antes disso, foram recolhidas amostras de sangue em estado basal e cinco minutos após o exercício físico extenuante efetuado em esteira rolante. O mesmo procedimento foi aplicado após o controle alimentar.

               Resultados: Os resultados mostraram que a dieta ovo-lácteo-vegetariana, em condições de repouso, reduziu de forma significativa a atividade da enzima catalase em 18,98% (p<0,05) e aumentou, também de forma significativa, a atividade da enzima superóxido dismutase em 77,84% (p<0,001). Depois do exercício físico extenuante, a dieta ovo-lácteo-vegetariana reduziu a atividade da enzima catalase de forma significativa em 26,11% (p<0,05) e não alterou a atividade da enzima superóxido dismutase.

               Conclusão: Os resultados indicam que tanto as atividades da catalase como da superóxido dismutase são sensíveis a uma dieta ovo-lácteo-vegetariana adequada.

Termos de indexação: Antioxidantes. Dieta vegetariana. Estresse oxidativo. Exercício.

INTRODUÇÃO

               A baixa ocorrência de doenças cardiovasculares, cânceres e outras enfermidades crônicas, observadas nos vegetarianos quando comparados com a população onívora em geral, estão bem documentadas. Por outro lado, está descrito que, embora o exercício físico, prescrito como terapia para muitas dessas doenças, quando em excesso, produz grandes adaptações metabólicas, estruturais e funcionais, além do aumento da produção de espécies reativas de oxigênio que podem levar ao estresse oxidativo. Atribui-se ao estresse oxidativo não somente a fadiga muscular, mas também a gênese de diversas patologias como as cardiovasculares e vários tipos de cânceres, além da aceleração do envelhecimento. O estresse oxidativo ocorre, entre outras causas, quando o sistema de defesa antioxidante não é capaz de neutralizar a ação das espécies reativas de oxigênio, seja por sua depleção ou por sua deficiência. Como consequência, os sistemas biológicos expostos ao estresse oxidativo podem sofrer citotoxicidade, mutações e aberrações cromossômicas, entre outros efeitos. Para manter a homeostase oxidativa, o organismo desenvolve mecanismos de defesa antioxidantes endógenos, tais como as enzimas catalase (EC 1.11.1.6), superóxido dismutase (EC 1.15.1.1) e glutation peroxidase (EC 1.11.1.9), além de antioxidantes exógenos de natureza vitamínica (E-caroteno, D-tocoferol e ácido ascórbico), mineral (zinco, selênio e cobre) e bioflavonoides existentes nos alimentos, sobretudo de origem vegetal (frutas, hortaliças, cereais e leguminosas). Resultados epidemiológicos e experimentais indicam que dietas equilibradas podem reduzir o estresse oxidativo. Como consequência do Exercício Físico Extenuante (EFE), tem sido observada uma redução na concentração da vitamina E nas membranas celulares, assim como aumento da atividade da catalase em eritrócitos humanos, evidenciando, de forma indireta, indução de estresse oxidativo.

               Este trabalho teve como objetivo verificar o efeito da dieta Ovo-Lácteo-Vegetariana (DOL) e do EFE sobre as atividades das enzimas Catalase (CAT) e Superóxido Dismutase (SOD) em indivíduos jovens e saudáveis.

MÉTODOS

               Foram selecionados dez indivíduos masculinos, saudáveis, não fumantes, não etilistas e não sedentários. Todos eram estudantes com idades compreendidas entre 18 e 20 anos, matriculados no primeiro ano do Instituto Adventista do Nordeste (IAENE), residentes em sistema de internato. Por motivos religiosos, a alimentação quotidianamente servida no IAENE era ovo-lácteo-vegetariana. Após a autorização por escrito para participar do trabalho e a aprovação pelo Conselho de Ética da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, sob protocolo no 043/2000, de 5 de junho de 2000, os indivíduos foram submetidos às análises clínicas e ao teste de ergoespirometria de acordo com o protocolo de Bruce para determinar o VO2 max.

               Antes do início do programa alimentar ovo-lácteo-vegetariano, todos os indivíduos realizaram separadamente um teste de esforço máximo numa esteira rolante, até a exaustão. A partir daí, determinou-se a intensidade do exercício em que eles se encontravam a 75% do seu consumo máximo de oxigênio. Determinado esse parâmetro, os participantes realizaram um teste de EFE até a exaustão. Recolheram-se amostras de sangue antes do exercício e dez minutos após seu término, para avaliar as atividades da CAT e SOD. Eles não tomaram bebidas alcoólicas nem outro tipo de droga durante a semana que precedeu os testes. Realizou-se o controle alimentar durante quatro meses seguidos e, ao final, os participantes foram submetidos novamente ao EFE até a exaustão, após o quê foram recolhidas amostras de sangue. O status antioxidante foi avaliado através das atividades da SOD e CAT.

[...]

RESULTADOS

Características das dietas

               A Tabela 1 mostra o aporte médio semanal dos alimentos consumidos antes e depois do controle alimentar, ou seja, com Dieta Livre (DL) e com DOL. Algumas alterações foram feitas para adequar a dieta às recomendações da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN). Houve aumento significativo do consumo de leguminosas (principalmente a inclusão da soja), glúten, iogurte, queijo, ovos, hortaliças, frutas e sucos. Por outro lado, houve redução de farinha de mandioca e óleo de soja, e exclusão de carnes, pescados, refrigerantes, salgadinhos fritos e embutidos.



               Ao comparar a ingestão diária de nutrientes das dietas DOL e DL, observam-se as seguintes modificações: redução significativa (p<0,05) de carboidratos simples (-58,86%), proteínas de alto valor biológico (-60,18%), lipídeos saturados (-64,39%) e colesterol exógeno (-53,22%); redução significativa das vitaminas piridoxina (-30,54%) e cobalamina (-39,81%), de minerais e particularmente de zinco (-36,75%). Observam-se também aumentos significativos de carboidratos complexos (19,67%), proteínas de baixo valor biológico (30,43%), lipídeos monoinsaturados (40,35), fibras alimentares (55,86%) e folato (67,18%). Quanto aos minerais, observa-se aumento significativo (p<0,001) de cálcio 101,82%. O ferro e o selênio sofreram redução, mas de forma não significativa.

Influência da dieta sobre as atividades da CAT e SOD

               A Figura 1 mostra a influência do EFE, antes e depois da DOL, sobre a atividade da enzima antioxidante CAT. Antes do Controle Alimentar (DL), observou-se uma elevação significativa (p<0,05) de 20,84% da atividade da CAT. Depois do DL e do EFE, com o mesmo protocolo, a atividade da CAT incrementou também, mas de forma não significativa, em 13,58%. Isso significa que o EFE induz aumento da atividade catalásica, independentemente da dieta. Mas, quando se compara o aumento da atividade catalásica induzida pelo EFE, antes e depois da DOL, observa-se uma diminuição não significativa, de 26,12%. Esse fato sugere que a CAT é um indicador de estresse oxidativo e que a DOL interfere no aumento da atividade enzimática, induzida pelo EFE. Quando se comparam as atividades da CAT, antes e depois do controle alimentar, observa-se uma redução de forma significativa de -20,47% (p<0,05).




               A Figura 2 mostra que a SOD não se modificou em consequência do EFE, tanto antes como depois do controle alimentar; no entanto, constata-se que a atividade da SOD aumentou de forma significativa em 77% após a DOL.




DISCUSSÃO

               A atividade da catalase medida em eritrócitos tem sido empregada como um dos indicadores de status oxidativo em seres humanos. Os eritrócitos são sensíveis a lesões oxidativas em função do alto conteúdo de ácidos graxos poli-insaturados em suas membranas e das altas concentrações intracelulares de oxigênio e hemoglobina, que são promotores potenciais de processos oxidativos. Neste trabalho, constatou-se que o EFE, antes do controle alimentar, produziu uma elevação significativa (p<0,05) de 20,84% da atividade da CAT. No entanto, depois da DOL, e antes do EFE, a atividade da CAT incrementou também, mas de forma não significativa em 13,58%. Isso talvez signifique que o EFE induz um aumento da atividade catalásica, independentemente da dieta. Mas, quando se compara o aumento da atividade catalásica induzida pelo EFE, antes e depois da DOL, observa-se uma diminuição não significativa de 26,12%. A DOL minimizou os efeitos do EFE sobre a atividade da enzima.

               O exercício pode elevar a atividade catalásica, e supõe-se que a produção do radical superóxido, durante o EFE, seja o fator responsável por essa elevação. O ânion superóxido reage com o ferro contido nessa enzima, mantendo-o na forma ativa de Fe III. Quando se compara a atividade da CAT, antes e depois do controle alimentar, observa-se uma redução de -20,47%, de forma significativa (p<0,05). A DOL reduziu a atividade da CAT diante de um EFE, o que pode ser atribuído ao aumento do consumo de hortaliças, frutas e sucos, além de outros componentes da dieta. A DOL exerceu um papel protetor, ou pelo menos, redutor do estresse oxidativo, induzido pelo EFE. A dieta pode interferir no status oxidativo, uma vez que nos alimentos encontram-se substâncias antioxidantes como as vitaminas A, C, E, carotenoides, fenóis, selênio, zinco, e pro-oxidantes, como ferro, ácidos graxos poli-insaturados, entre outros.

               Embora neste trabalho a DOL tenha incrementado o consumo de vitamina C (Tabela 2) e reduzido o zinco (-36.75%), o ferro e selênio, mesmo que de forma não significativa (Tabela 3), não se pode atribuir, de forma direta, algum tipo de interferência da dieta sobre o status oxidativo a uma ou outra substância isoladamente, uma vez que elas interagem e atuam em bloco. [...]





               Uma dieta equilibrada aporta ao mesmo tempo antioxidantes de natureza vitamínica, mineral, carotenoides e fenóis, que, de forma interativa, podem aumentar a capacidade antioxidante do organismo e reduzir a atividade da CAT. Segundo Stachowska et al., a administração de dieta tipo mediterrâneo por 6 meses reduziu significativamente a atividade da catalase em eritrócitos de pacientes submetidos a transplante renal.

               Os resultados apresentados neste trabalho evidenciam que a dieta ovo-lácteo-vegetariana, por si só, não interfere na atividade da catalase na condição basal. Isso sugere a não formação de peróxido de hidrogênio suficiente para depletar essa enzima nas condições propostas no estudo. Contudo, a atividade da SOD se mostra sensível ao hábito alimentar e, ao contrário da CAT, não sofreu influência do EFE. Como a SOD é a principal enzima responsável pela detoxificação do ânion superóxido, e como ele é importante para iniciar a reação do estresse oxidativo, pode-se inferir que a DOL é mais eficiente contra o estresse oxidativo que a dieta DL. Isso porque a manutenção do status antioxidante é feita através de mecanismos enzimáticos e não enzimáticos, enquanto neste estudo apenas dois parâmetros foram avaliados (SOD e CAT). Assim sendo, são necessários outros estudos que permitam um melhor entendimento dos efeitos globais da ingestão da dieta ovo-lácteo-vegetariana e do exercício físico extenuante sobre o estresse oxidativo.

CONCLUSÃO

               As atividades das enzimas CAT e SOD sofreram influência da DOL em condições de repouso. Houve redução da atividade da CAT, assim como aumento significativo da atividade da SOD. Para a detecção de possíveis efeitos relacionados ao dano oxidativo, seria necessária a utilização de técnicas mais sensíveis que as utilizadas neste trabalho. No entanto, pode-se concluir que a prática de EFE incrementa a atividade da CAT sem modificar a da SOD. Depois de quatro meses de DOL, o EFE induziu uma menor elevação da atividade da CAT. Esses dados sugerem a presença de compostos antioxidantes componentes da DOL, que minimizam os efeitos do EFE sobre a atividade de CAT.

Para referências e artigo na íntegra acesse:

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Cigarro e desempenho

                Como médico meu dever é combater o hábito de fumar, mas de fato, como é um hábito, seria muita abelhudisse se eu decidisse por você as atividades da sua vida sem lhe dar explicações. Hoje estamos na época de ouro dos vasodilatadores, uma evolução dos pré-workouts comuns que continham toneladas de estimulantes que no final das contas acabavam por anular ou diminuir em grande parte a ação dos "vasodilatadores". Os vasodilatadores não causam os efeitos ergogênicos dos estimulantes, mas pelo menos fazem com que o que você treina de fato vire algum resultado. Para o físico eles são interessantes porque fazem um trabalho completo no seu tecido locomotor: aumentam o recrutamento vascular periférico favorecendo tanto o "pump" que já falamos quanto a oxigenação, nutrição e escoamento de metabólitos resultantes da contração muscular - trabalhando assim como pré e pós-workouts!

               A nicotina, substância principal da composição do cigarro, tem um comportamento bifásico, que é comum a substâncias viciantes, isto porque no cérebro ela ativa receptores dopaminérgicos que estão presente nos núcleos do prazer e saciedade (os mesmos atingidos pela cocaína por exemplo) causando relaxamento. Também porque ativa receptores nicotínicos que normalmente são ativados por acetilcolina e liberam noradrenalina; há algumas pesquisas que falam que o cigarro melhoraria a memória por ativação de recepctores de glutamato - fato que acreditamos ser só teórico porque o monóxido de carbono presente no cigarro diminui a vascularização cerebral antagonizando tal efeito.

               Contendo dois vasoconstrituores potentes, o CO (monóxido de carbono) e a nicotina, o fumo acaba servindo como antagonista de todos os efeitos que desejamos quando utilizamos vasodilatadores e, claro, caso você treine sem essa ajuda ergogênica, imagine os efeito contrário que o você acaba tendo pelo hábito do cigarro. Do ponto de vista do centro dopaminérgico atingido, ir praticar atividades físicas depois de ter fumado é experimentar falta de endurance, força, resistência e capacidade de resistir à fadiga.

               Portanto fumar depois de praticar atividades físicas ou antes de praticá-las é como se transformássemos o treinamento em esforço e desta forma a piora da capacidade física e por consequência a perda de resultados é uma mera questão de tempo.

               Como disse, não me atrevo a dizer a você o que você tem de fazer ou deixar de fazer, mas é minha função lhe dar conhecimento para ponderar. É evidente que gostaríamos de um mundo livre de cigarro, mas não acredito que atitudes que ataquem a liberdade do índivíduo de forma arbitrária sejam a melhor forma de convencê-lo a deixar um hábito - boa parte das vezes a gentileza do processo informativo trabalham mais eficientemente.



PAULO CAVALCANTE MUZY
Médico pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp
Especialista em Fisiologia do Exercício pelo CEFE/Unifesp
Especialista em Artroscopia e Traumatologia do Exercício pela PUC Campinas 
CRM-SP: 115.573

Originalmente publicado no blog "superperformance".

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Treinos de qualidade para iniciantes e experientes



               Na linguagem comum dos treinadores e corredores, treinos de qualidade são aqueles em que a intensidade dos estímulos se aproxima ou supera o ritmo em que se pretende correr em uma competição. Trata-se, portanto, de treinos específicos nos quais prevalecem os trabalhos intervalados, fracionados ou rodagens em ritmo progressivo, principalmente.

               Entretanto, para surgirem o efeito desejado, os treinos de qualidade devem ser precedidos por um trabalho de base, isto é, por aqueles treinos durante os quais a resistência geral foi desenvolvida em sua totalidade. Assim, rodagens em ritmo confortável, treinos com pesos e circuitos, dentre outros, devem predominar na planilha de treinamento das etapas iniciais da preparação.

               O fartlek, tipo de treino em que se alternam acelerações com rotes pode se utilizado tanto para o aumento da resistência quanto ara o aperfeiçoamento da velocidade. Por isso, ele poderá estar presente nas planilhas de treinamento de corredores principiantes e experientes. Como treino de qualidade ou de base. 

               Na preparação para uma competição, é importante que o corredor encontre a parcela ideal entre os treinos de qualidade e os de base, além daqueles destinados a promover a restauração do organismo (treinos regenerativos) como trotes em terreno macio, alongamentos e outros.

               O equilíbrio entre estes três tipos de treinamentos é que irá possibilitar o aperfeiçoamento da condição atlética do corredor e o colocará em um estado de prontidão para o seu melhor rendimento em uma prova. De modo geral, para os principiantes é fundamental que o treinamento exija, gradual e progressivamente, o aumento da quilometragem por meio de treinos de base, além dos trabalhos direcionados ao reforço muscular. isso porque o corredor iniciante ainda não se encontra em condições adequadas para enfrentar o esforço físico mais intenso, pois rapidamente ele se esgotaria pelo acúmulo crescente e veloz de fadiga.

               Portanto, o treino de base é importante para o iniciante, pois garante o desenvolvimento da resistência orgânica geral, permitindo-lhe que, futuramente, possa introduzi em seus treinamentos trabalhos específicos e de maior intensidade.

               Em relação aos experientes que treinam continuamente há muitos anos, estes apresentam as condições fisiológicas ideais para a aplicação de trabalhos de qualidade em sua preparação. Esses corredores já desenvolveram a sua resistência orgânica em um nível adequado para o esforço físico prolongado e intenso, e apenas necessitam de um trabalho de manutenção em relação a resistência geral. Contudo em ambos os casos, é fundamental encontrar o equilíbrio entre os treinos de qualidade e os de base durante o processo de preparação para a competição.



MARCELO AUGUSTI
Graduado em Educação Física pela ESEF, Jundiaí
Especialista em Fisiologia do Exercício e em Treinamento Esportivo (UNIFESP)
Diretor Técnico da Associação dos Corredores de Bragança Paulista
CREF: 006263-G-SP

Texto originalmente publicado na revista Contra Relógio

terça-feira, 25 de junho de 2013

Lesões tendíneas

               Vamos falar sobre as lesões tendíneas rapidamente e aproveitar para discutir um pouco sobre métodos de treinamento e possíveis relações entre estes e lesões diversas, já que é razoavelmente comum observarmos lesões de tecidos moles em atletas, sejam por traumas sofridos durante os esportes, sejam por uso excessivo dessas estruturas sem dar o devido tempo ou substrato de reparação.

Vamos falar, portanto, de doenças por tração:

               Leadbetter modificou uma proposição do ciclo vicioso que gerava as doenças por tração em 1992 e que começava a sugerir uma diferença entre tendinite e tendinose. Sim, de fato são diferentes e esta diferença não é mera apologia aos detalhes como alguns assuntos na medicina. Segundo Leadbetter, tudo se inicia com uma hipersolicitação do tendão, que é seguida de uma reparação inadequada que acaba gerando morte dos tenócitos (células que colocam matriz colágena no tendão), o que leva a menos deposição de colágeno nos tendões (progredindo o enfraquecimento mecânico) que predispões a novas lesões. Neste ponto então o estímulo inicial, que já era excessivo, torna-se mais intenso e mais incoerente, progredindo com o ciclo que irá gerar uma lesão se não for interrompido.

               Já em 1997, Kannus relacionou determinados fatores extrínsecos às lesões tendinosas por sobreuso, que segundo este autor são a exposição do corpo a cargas excessivas, erros de treinamento, condições ambientais, equipamento e regras desportivas ineficazes. É interessante perceber que todas as regras se aplicam a todo esportista que não tem sua rotina de exercícios devidamente prescrita e supervisionada, onde podemos traduzir para a nossa rotina de sala de pesos, na mesma sequência que apontamos anteriormente segundo o autor, como excessos de carga por não obedecer a uma técnica precisa de treinamento e falta de orientação ou orientação deficiente, falta de correção na postura de execução dos exercícios, falta de equipamento adequado ou adequadamente manutenido ou de boa qualidade e finalmente, falta de adequação entre o objetivo do aluno e sua capacidade de regeneração e preparo profissional do treinador/orientador para reconhecer e adaptar o método de treino mais adequado àquele.

               Então, no ano de 2000, Bonnar, num trabalho de Khan e colegas, classificou as tendinopatias de acordo com as alterações histopatológicas que estas apresentavam e obtivemos o seguinte quadro:

- tendinose: degeneração tendinosa relacionada a microtraumas ou alterações vasculares persistentes, cuja histologia mostra degeneração do colágeno intratendinoso não inflamatório, com degeneração das fibras, hipocelularidade, necrose local ou calcificações.

- tendinite: degeneração sintomática aguda de um tendão com interrupção vascular e resposta a uma reparação inflamatória, caracterizada por alterações degenerativas provocadas por rupturas sobrepostas, incluindo as proliferações de fibroblastos e miofibroblastos, hemorragia e tecido granulado organizado.

- paratendinose: inflamação do paratendão (tecido delgado responsável pela proteção e nutrição do tendão), caracterizado por presença de células inflamatórias no paratendão ou no tecido areolar peritendinoso.

- paratendinose com tendinose: inflamação do paratendão associado à degeneração intratendinosa, caracterizada por degeneração mucóide no tecido peritendinoso, com perda de colágeno, desorientação das fibras e inflamação intratendinosa.

E como tratar?

               Cook e Khan em 2000 sugerem que o tratamento inicial deve ser conservador ou baseado na alteração histopatológica em vez do sintoma: tratar uma tendinopatia com base numa inflamação vs tratar uma tendinopatia com base numa degeneração, tendo como prioridade a diminuição da dor, mas associada à manutenção da função. Para tal o tratamento pode chegar a ser cirúrgico, mas devemos lembrar que o bom senso manda sempre tentarmos o tratamento fisioterápico em um primeiro momento, e este pode associar repouso e redução de carga, crioterapia, massagem transversal profunda, exercícios de fortalecimento excêntrico, imobilizações funcionais, eletroterapia e ondas de choque.

E como tudo isso interfere na minha rotina de exercícios?

               Existem técnicas de treinamento bem definidas que causam fadiga cada uma a sua maneira própria. Uma das técnicas que gostamos de sugerir em ordem de preservar o paciente/esportista em relação a tendinopatias, além dos fatores extrínsecos relacionados ao acompanhamento esportivo, é um estilo de treinamento onde a fadiga é causada por hipersolicitação mecânica por número máximo de repetições, um estilo de treinamento batizado de Heavy Duty por seu criador, Mike Mentzer, tendo por base o HIT training de Arthur Jones, ainda na Nautilus Gym na decada de 60. Como não há hipersolicitação em termos de carga, duas coisas acontecem: não ocorrem (ou ocorrem num grau aceitável) as microlesões tendinosas por excesso de carga, e que possibilitam ainda uma execução mais adequada do movimento devido a carga menor e ainda, possivelmente há menos diminuição da resposta inibitória da ação protetora do OTG nos tendões (que fazem com que o músculo relaxe de forma reflexa ao se deparar com uma carga que é potencialmente lesiva ao tendão - um reflexo neurológico de proteção que é perdido progressivamente nos treinamentos onde força e explosão são estimulados).

               [...] Nesse momento é importante uma dieta adequada e nada de restrições! Tudo o que pode ameaçar a manutenção de um equilíbrio nitrogenado positivo no organismo (ou trocando em miúdos, consumir menos do que necessitar) é péssimo para qualquer esportista, quem dirá para um esportista em vigência de uma lesão... Cuidado com a alimentação, até mesmo porque essa falta relativa de proteína à disposição de síntese proteica indispensável estimulada pelo treinamento pode ser uma fator predisponente ao início ou manutenção de uma lesão.

PAULO CAVALCANTE MUZY
Médico pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp
Especialista em Fisiologia do Exercício pelo CEFE/Unifesp
Especialista em Artroscopia e Traumatologia do Exercício pela PUC Campinas 
CRM-SP: 115.573

Originalmente publicado no blog "superperformance".

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Glutamina

CONSEQUÊNCIAS DO EXERCÍCIO PARA O METABOLISMO DA GLUTAMINA E FUNÇÃO IMUNE 
Revista Brasileira de Medicina do Esporte

Jair Rodrigues Garcia Júnior, Tânia Cristina Pithon-Curi, Rui Curi

RESUMO

               Para o atleta, o objetivo do treinamento é aperfeiçoar sua capacidade física para obtenção do melhor desempenho em competições. Isso o leva a procurar os mais novos e eficientes métodos de treinamento. Um aspecto importante do programa de treinamento é o período de recuperação entre as sessões de exercícios, imprescindível para que ocorram as adaptações fisiológicas, como as alterações morfológicas e a supercompensação das reservas energéticas. A liberação de glutamina pelos músculos esqueléticos é aumentada durante o exercício. Como consequência, o conteúdo muscular de glutamina diminui após um exercício extenuante. Este aminoácido, entretanto, é muito importante para a funcionalidade dos leucócitos (linfócitos, macrófagos e neutrófilos). Portanto, após um exercício intenso, a concentração plasmática de glutamina diminui, suprimindo a função imune e tornando o indivíduo mais suscetível a infecções respiratórias. Nesta revisão são discutidas as implicações do exercício sobre o metabolismo dos músculos esqueléticos e leucócitos. 

Palavras-chave: Exercício. Função imune. Glutamina. Leucócitos. Infecção.

INTRODUÇÃO

               A busca constante por um melhor desempenho é o objetivo principal de todos os atletas, independentemente do esporte praticado. Esse objetivo é alcançado somente com a soma de vários fatores, mas principalmente pela escolha criteriosa dos métodos de treinamento. Apesar da evolução desses métodos e das pesquisas aplicadas em áreas correlatas que contribuem significativamente para melhorar o desempenho, não é possível minimizar o papel de três variáveis que constituem a base de qualquer programa de treinamento: intensidade, freqüência e duração do exercício.

               Essas variáveis são fundamentais para o aprimoramento da capacidade física, porém a ansiedade por melhor desempenho, por vezes, faz com que essas sejam utilizadas em excesso. Este fato, aliado a períodos de recuperação insuficientes, resultam em uma condição conhecida como síndrome do excesso de treinamento (overtraining). Tal estado é denominado de síndrome devido às várias alterações que acarreta, comprometendo desde a capacidade de treinamento e desempenho em competições, até aspectos fisiológicos e emocionais. Dentre as alterações fisiológicas, deve-se incluir a função imune.

               É do comprometimento do sistema de defesa relacionado com a atividade física que trataremos nesta revisão. Serão mostrados o metabolismo e a funcionalidade das células do sistema imune e sua relação com o metabolismo dos músculos esqueléticos, tendo como elo o aminoácido glutamina.

CÉLULAS DO SISTEMA IMUNE E DA RESPOSTA INFLAMATÓRIA

               Linfócitos, macrófagos e neutrófilos desempenham um papel central na resposta imune e inflamatória. Linfócitos são células circulantes, têm sua origem nos tecidos linfóides primários (timo e medula óssea), podendo migrar para os órgãos linfóides secundários (baço, linfonodos e placas de Peyer). Encontram-se em estado quiescente até serem estimulados a proliferar, por exemplo, durante uma infecção por vírus ou bactérias. Os macrófagos podem diferir em suas características bioquímicas, estruturais e funcionais, dependendo do estado de diferenciação, do microambiente e de sua localização no organismo. Em função de sua localização, recebem diferentes denominações: do sistema nervoso central (microglia), fixos no fígado (células de Kupffer), da epiderme (células de Langerhans), do osso (osteoblastos) e os macrófagos livres do espaço alveolar e cavidades serosas. Entretanto, os macrófagos, independentemente de sua localização, compartilham de algumas das propriedades gerais que os tornam semelhantes entre si, como propriedades de espraiamento, de fagocitose e fungicida, bactericida e tumoricida.

               Neutrófilos constituem cerca de 60% dos leucócitos circulantes em seres humanos adultos e são as primeiras células de defesa na resposta inflamatória aguda. Microrganismos fagocitados, recobertos ou não com complemento ou anticorpo específico, são mortos por proteínas citotóxicas derivadas dos grânulos citoplasmáticos e por uma combinação de espécies reativas de oxigênio geradas pelo neutrófilo.

               Apesar da inquestionável importância dessas células na resposta imune e inflamatória, relativamente pouco se sabia sobre o metabolismo e sua implicação para as diferentes funções desses tipos celulares. Na década de 80, o grupo do Prof. Eric Newsholme determinou que macrófagos e linfócitos utilizam glutamina em altas taxas e, recentemente, no nosso laboratório, foi verificada pela primeira vez a utilização de glutamina também por neutrófilos.

[...]


VIAS DE SÍNTESE E DEGRADAÇÃO DA GLUTAMINA

               Mais da metade da glutamina consumida na dieta e absorvida é utilizada pelas próprias células intestinais que, por se renovarem rapidamente (poucos dias), necessitam sintetizar constantemente compostos estruturais, principalmente a partir da glicose e desse aminoácido. Dessa forma, a maior proporção da glutamina circulante (concentração aproximada de 0,6mmol/L) é proveniente dos músculos esqueléticos, que sintetizam e exportam glutamina e alanina para a circulação, em especial durante situações de catabolismo intenso, como no jejum prolongado e exercício.

               A síntese e a hidrólise de glutamina em tecidos de mamíferos foram primeiramente descritas por Krebs em 1935. A síntese de glutamina ocorre preferencialmente no músculo esquelético, fígado, tecido adiposo e cérebro, enquanto a hidrólise ocorre nos rins, linfonodos, macrófagos, trato gastrintestinal e tecido adiposo.

[...]

               A glutamina é o aminoácido livre mais abundante nos músculos esqueléticos, tendo uma concentração normal de 20mmol/L. Exercícios de intensidade moderada (quase intensa) depletam os estoques musculares de glicogênio e demandam elevado metabolismo dos aminoácidos de cadeia ramificada. A concentração de glutamina muscular então é aumentada nos primeiros momentos desse tipo de exercício, porém volta ao normal em seguida devido a sua exportação para a circulação. Nesta, a glutamina tem com principais destinos o fígado e os rins, onde é utilizada no processo de gliconeogênese. Alguns estudos demonstraram que a glutamina é o principal precursor para a gliconeogênese hepática38,39. Outros destinos da glutamina são as células intestinais e, principalmente, as células do sistema imune durante o exercício, quando ocorre leucocitose.

METABOLISMO MUSCULAR DURANTE O EXERCÍCIO 

               A molécula de trifosfato de adenosina (ATP), por meio da quebra das ligações de alta energia entre seus fosfatos, fornece energia para a contração muscular, porém sua concentração nos músculos é pequena, suficiente para poucos segundos de contrações musculares apenas. Por isso, existem três sistemas muito eficientes para a ressíntese constante das moléculas de ATP durante o exercício. A predominância de um ou outro sistema é determinada pela intensidade e duração do exercício.

            O primeiro sistema pode ser denominado de creatina-fosfato (CP) devido à utilização da energia dessa ligação fosfato para a ressíntese do ATP. Esse sistema atua imediatamente após a utilização do ATP armazenado, mas também é suficiente para apenas poucos segundos adicionais de contrações. É acionado no início de qualquer atividade física.

               O segundo sistema é a glicólise anaeróbia e decorre da quebra da glicose até a formação de ácido lático com ressíntese de ATP independente de O2. É um sistema muito potente, ou seja, com capacidade elevada de ressíntese de ATP em curtos períodos; por isso, é utilizado durante exercícios intensos com duração máxima de poucos minutos, já que a diminuição do pH provocada pelo ácido lático inibe algumas enzimas dessa via e impede a continuação do processo.

               O último sistema é a fosforilação oxidativa. Nesse, a ressíntese de ATP ocorre durante o transporte de elétrons, sendo o O2 o aceitante final dos mesmos. Esse é considerado o sistema mais eficiente em quantidade de ATP ressintetizada, porém consegue atender plenamente somente as demandas de exercícios de intensidade moderada, quando a oferta de oxigênio é suficiente. Além de sintetizar mais ATP que os outros sistemas, essa via apresenta outra vantagem, que é a capacidade de gerar energia a partir de três substratos energéticos: glicose, ácidos graxos e aminoácidos. De qualquer forma, tanto em exercícios moderados como intensos, o principal substrato energético utilizado é o glicogênio e a duração do exercício, até que haja diminuição do desempenho ou se atinja a exaustão, é determinada pelos seus estoques nos músculos solicitados.

               No período de recuperação ocorre um processo chamado de débito de O2, no qual o metabolismo continua elevado durante várias horas, porém em constante declínio, podendo ser dividido em três fases: 1) fase rápida, com duração de poucos minutos, suficiente para a repleção dos fosfagenos (ATP e CP) e reoxigenação da mioglobina e hemoglobina; 2) fase lenta, com duração de aproximadamente uma hora, quando o lactato é convertido a glicose e glicogênio (gliconeogênese hepática); 3) fase ultralenta, com duração de várias horas, em que se propõe que a estimulação dos ciclos de substratos (interconversões de substratos, como proteína ® aminoácidos ® proteína, por exemplo) seja o fator responsável pelo débito de O2. A utilização dos substratos nesse período é determinada pelo consumo de nutrientes. Caso nada seja consumido além de água, o catabolismo de proteínas e a mobilização de ácidos graxos continuam, com esses últimos sendo utilizados como principal substrato. Em havendo consumo de nutrientes, principalmente carboidratos, o anabolismo protéico e a reesterificação dos ácidos graxos são estimulados e a glicose passa a ser utilizada como o principal substrato.

               Uma peculiaridade dos músculos esqueléticos em relação ao metabolismo dos aminoácidos é que, ao mesmo tempo que utilizam alguns deles (leucina, isoleucina, valina, glutamato, aspartato e asparagina) para a oxidação ou síntese de intermediários do ciclo de Krebs, sintetizam alanina e glutamina, que são exportados para a circulação, onde tomam destinos diversos. Tanto a alanina quanto a glutamina desempenham um papel muito importante, que é o de carrear a amônia resultante da desaminação de outros aminoácidos para o fígado e rins, evitando que os músculos acumulem esse composto tóxico.

CONCENTRAÇÃO PLASMÁTICA DE GLUTAMINA DURANTE E APÓS O EXERCÍCIO 

               O treinamento tem como característica estimular adaptações morfológicas e metabólicas nos músculos esqueléticos e alterar a mobilização e utilização de substratos energéticos. Tais alterações geralmente trazem benefícios para o desempenho e saúde do atleta; entretanto, podem também interferir no equilíbrio metabólico e endócrino e prejudicar alguns sistemas.

               O supertreinamento, particularmente, constitui-se numa situação extrema para o atleta, pois é caracterizado pela incapacidade de recuperação adequada após sucessivas seções de treinamento. A sensação de fadiga persiste mesmo após os períodos regulares de recuperação e acarreta alterações emocionais, comportamentais e físicas. Essa situação é prejudicial ao atleta não apenas pela impossibilidade de continuação do programa de treinamento e pela queda do desempenho nas competições, mas também pelas conseqüências fisiológicas relacionadas à sua própria saúde.

               Estudos têm relacionado o excesso de treinamento, treinamento intenso e também exercícios de longa duração com a diminuição da resposta imune. Essa condição decorre de alterações hormonais e do metabolismo dos músculos esqueléticos e das células envolvidas no mecanismo de defesa.

               A diminuição da concentração plasmática de glutamina tem sido mencionada por diversos autores como o fator que reduz a funcionalidade dos leucócitos, deixando o atleta mais vulnerável a infecções.

[...]

               O efeito do exercício sobre a concentração plasmática de glutamina (ou produção de glutamina pelos músculos esqueléticos) varia de acordo com a intensidade do esforço. Em exercícios de baixa intensidade, a concentração plasmática de glutamina não se altera, enquanto em esforços moderados aumenta e em atividades intensas há diminuição. [...]

SUPLEMENTAÇÃO DE GLUTAMINA 

               A importância da suplementação de glutamina vem sendo estudada em processos que envolvem respostas imune e inflamatória. A concentração plasmática de glutamina está diminuída em condições de estresse, tais como em pacientes queimados, durante a septicemia, pós-cirurgia, após exercícios de resistência e no supertreinamento. Além disso, indivíduos submetidos a um período de dez dias de treinamento intenso, com tempo insuficiente de repouso entre as sessões, apresentam redução de 50% na concentração plasmática de glutamina. Koyama et al. também demonstraram a importância da glutamina para a proliferação de linfócitos num estudo no qual compararam o efeito do treinamento e da injeção de metionina sulfoximina (MS), uma droga inibidora da glutamina sintetase. Como esperado, após o treinamento, houve aumento significativo da concentração plasmática de corticosterona e diminuição significativa da capacidade proliferativa dos linfócitos bem como da concentração plasmática de glutamina. Com a administração da droga MS, houve o mesmo efeito de diminuição da concentração plasmática de glutamina e da proliferação de linfócitos sem, no entanto, haver alteração da concentração de corticosterona.

               Há evidências de que, em exercícios intensos e prolongados, a ingestão de fluidos contendo glutamina reduz a incidência de infecções no trato respiratório.Outro estudo demonstrou a eficiência de uma suplementação de glutamina em diminuir a incidência de infecções em atletas durante sete dias após exercício prolongado. No grupo placebo, foi observada incidência de infecções em 51% dos atletas, enquanto no grupo suplementado esta foi de apenas 19%.


Para referências e artigo na íntegra acesse:

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Estresse oxidativo e zinco

ASPECTOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE EXERCÍCIO FÍSICO, ESTRESSE OXIDATIVO E ZINCO
Revista de Nutrição da Puc - Campinas

Laiana Sepúlveda de Andrade, Dilina do Nascimento Marreiro

RESUMO

               Este trabalho visa a contribuir com informações sobre a relação entre exercício físico, estresse oxidativo e zinco. A formação de espécies reativas de oxigênio durante o exercício pode contribuir para danos tissulares e celulares, prejudicando o desempenho do atleta. Podem amenizar esses efeitos alguns minerais, como o zinco, que atuam como cofator da enzima superóxido dismutase e na regulação da síntese da metalotioneína, proteínas importantes no sistema de defesa antioxidante. No exercício físico, ocorrem distúrbios na compartimentalização do zinco, com alterações da concentração desse mineral em compartimentos celulares. No entanto, os mecanismos envolvidos no comportamento metabólico do zinco bem como a participação do mineral na melhora do desempenho físico ainda não estão totalmente esclarecidos. Dessa forma, conclui-se que a distribuição do zinco em organismos submetidos ao estresse oxidativo e os efeitos da deficiência desse mineral na capacidade antioxidante durante o exercício ainda devem ser pesquisados mais profundamente.

Termos de indexação: Estresse oxidativo. Exercício. Superóxido dismutase. Zinco. 

INTRODUÇÃO

               Nas últimas décadas, tem havido um grande interesse por parte de vários pesquisadores em esclarecer o efeito do exercício físico sobre as alterações metabólicas e nutricionais. A produção de espécies reativas de oxigênio bem como o papel de substanciais antioxidantes têm sido os aspectos mais pesquisados.

               A suplementação com nutrientes tem-se tornado cada vez mais comum na prática esportiva. Os minerais, em particular, têm sido consumidos de forma indiscriminada em função da sua relação com o desempenho em indivíduos fisicamente ativos.

               A atividade física favorece diversas adaptações fisiológicas, sendo necessários ajustes cardiovasculares e respiratórios para compensar e manter o esforço realizado. Durante o exercício físico, ocorre aumento do metabolismo energético com a formação excessiva de Espécies Reativas de Oxigênio (EROS). Essas espécies podem contribuir para danos tissulares e celulares, predispondo a lesões musculoesqueléticas e a prejuízo no desempenho do atleta. Nesses mecanismos, vários micronutrientes desempenham papel importante, entre eles o zinco, que participa da estrutura da enzima superóxido dismutase, sendo essencial para a função normal do sistema antioxidante endógeno, além de ser um potente estabilizador das membranas celulares, de proteínas estruturais e da sinalização celular.

               O zinco é um dos minerais de maior importância para o metabolismo. Dentre suas funções biológicas, ele é cofator de mais de 300 metaloenzimas, atuando em atividade catalítica de várias enzimas, tais como a anidrase carbônica, álcool desidrogenase e fosfatase alcalina, enzimas que participam do metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas. Algumas dessas enzimas estão envolvidas no sistema de defesa antioxidante durante o exercício, como, por exemplo, a superóxido dismutase.

               Diversos estudos evidenciaram alterações na compartimentalização do zinco em atletas, com valores desse mineral em parâmetros bioquímicos bastante controvertidos. Os estudos mostram concentrações reduzidas, normais ou elevadas de zinco no plasma, no soro e nos eritrócitos de atletas, que parecem ser dependentes do tipo de modalidade esportiva e do período da coleta do material biológico para análise do mineral.

[...]

               Considerando-se, pois, as alterações bioquímicas e metabólicas do zinco, resultantes do exercício físico, bem como sua participação no sistema de defesa antioxidante e os mecanismos envolvendo esse oligoelemento e a melhora do desempenho físico em atletas, este estudo relata aspectos acerca do metabolismo do mineral, bem como de seu papel antioxidante sobre o estresse oxidativo gerado durante a realização do exercício físico.

MÉTODOS

               Esta revisão visa a trazer informações sobre os aspectos relacionados ao estresse oxidativo, metabolismo do zinco e de sua participação no desempenho físico. Nessa perspectiva, serão apresentados de forma específica os aspectos metabólicos e fisiológicos do zinco e o papel desse mineral na defesa antioxidante no exercício físico e ainda o efeito do exercício físico na compartimentalização do zinco.

               O levantamento bibliográfico foi realizado nas bases de dados PubMed, SciELO, Lilacs, sem limite do ano de publicação, considerando os seguintes critérios de inclusão para as referências: (1) estudos que investigaram os aspectos metabólicos e fisiológicos do zinco e estresse oxidativo; (2) estudos que avaliaram a participação do zinco no estresse oxidativo e na defesa antioxidante em atletas. Além disso, os artigos foram selecionados quanto à originalidade e à relevância, considerando-se o rigor e a adequação do delineamento experimental, o número amostral e o tipo de medidas fisiológicas e de desempenho realizadas. Os trabalhos clássicos e recentes foram preferencialmente utilizados.

[...]
 
Aspectos metabólicos e fisiológicos do zinco

               O zinco é o micronutriente intracelular mais abundante, sendo encontrado em todos os tecidos corpóreos. O conteúdo total de zinco no organismo varia de 1,5 a 2g: cerca de 85% desse mineral estão concentrados nos músculos e nos ossos, e aproximadamente 80% presentes no sangue encontram-se nos eritrócitos. Nos alimentos, o zinco está presente em maiores quantidades nas carnes vermelhas e nas ostras, sendo esses alimentos considerados as fontes mais ricas do mineral. Outros alimentos como ovos, carne de frango, leite e derivados, frutas oleaginosas - como as amêndoas -, e cereais integrais são boas fontes. A recomendação atual de zinco varia de 6,8 a 8,5mg/dia, segundo a Estimated Average Requeriment (EAR), contida nas Dietary Reference Intakes (DRI), que refletem a quantidade do mineral suficiente para atingir as necessidades nutricionais de metade dos indivíduos saudáveis de determinado gênero e estágio de vida, sendo de 40mg/dia o nível máximo de ingestão tolerável do mineral.

               Esse mineral é um elemento traço essencial de grande importância na nutrição humana, pois atua como componente estrutural e funcional de várias metaloenzimas e metaloproteínas, participa de reações do metabolismo celular, incluindo processos fisiológicos tais como a função imune, defesa antioxidante, crescimento e desenvolvimento.

               O jejuno é a porção do intestino na qual a maior parte do zinco é absorvida e esse processo é dependente de sua concentração no lúmen. A captação do zinco pela superfície da borda em escova ocorre por meio de dois mecanismos de transporte: processo mediado por transportadores e por difusão simples, que variam em sua importância, conforme a quantidade presente na dieta. O mecanismo mediado por carreador predomina em situação de baixa concentração do mineral na dieta, enquanto a absorção por difusão simples é predominante quando seu consumo está elevado.

[...]

Estresse oxidativo no exercício físico e zinco

               A atividade física favorece diversas adaptações fisiológicas, sendo necessários ajustes cardiovasculares e respiratórios para compensar e manter o esforço realizado. O exercício está associado ao aumento da formação de radicais livres, relacionado principalmente ao aumento do consumo de oxigênio pelos tecidos ativos.

               O oxigênio possui atividade fundamental no metabolismo celular aeróbio, pois esse elemento é necessário no processo de respiração celular que ocorre nas mitocôndrias das células a fim de gerar energia. Esse metabolismo pode conduzir à formação de radicais livres e ao estresse oxidativo, pois as espécies reativas de oxigênio semirreduzido, superóxido e peróxido de hidrogênio são produzidas pelas mitocôndrias durante a respiração celular. No exercício intenso, ocorre aumento de 10 a 20 vezes no consumo total de oxigênio do organismo e de 100 a 200 vezes na captação de oxigênio pelo tecido muscular, favorecendo a produção de radicais livres de oxigênio. Além disso, a síntese dessas moléculas durante o exercício está associada ao aumento da liberação de catecolaminas e sua auto-oxidação, aumento do metabolismo dos prostanóides, das enzimas xantina-oxidases e NADPH oxidase, da oxidação de bases purínicas, e ainda distúrbio da homeostase do Ca2.

               Em situações de exercícios extenuantes, como, por exemplo, em atividade aeróbia e anaeróbia, ocorre o aumento da produção de radicais livres, pois esta última impõe força nos músculos, podendo ocasionar danos às proteínas celulares. [...]

               A magnitude do aumento das concentrações plasmáticas de zinco seguido de exercício intenso pode ser resultado do catabolismo muscular com liberação do mineral no fluido extracelular. Essas alterações metabólicas estão relacionadas à ocorrência de microlesões musculares devido ao impacto e à explosão no exercício, o que favorece a liberação do zinco do tecido muscular para o plasma. Nesse sentido, os mecanismos que participam das alterações no metabolismo do zinco têm sido atribuídos às concentrações aumentadas de interleucinas plasmáticas, sendo evidenciadas no processo inflamatório, no dano tissular e no exercício intenso. As interleucinas estimulam a captação do zinco do plasma para o fígado e eritrócitos e favorecem a síntese de metalotioneína (e possivelmente de superóxido dismutase e outras zincoproteínas), enzimas necessárias para a resposta de fase aguda. 

Enzima superóxido dismutase, zinco e exercício físico

               O organismo possui mecanismos de defesa antioxidante que atuam para minimizar ou prevenir os efeitos causados pelos radicais livres, gerados pelo exercício intenso. Existem sistemas antioxidantes de defesa para proteção e sistemas de reparação que previnem o acúmulo de moléculas alteradas por oxidação.

               Os antioxidantes de defesa celular neutralizam a proliferação ou protegem a membrana das células da ação lesiva das espécies reativas de oxigênio. Esses compostos são classificados em sistemas antioxidantes intracelulares enzimáticos (catalase, superóxido dismutase e glutationa peroxidase) ou não enzimáticos, como as vitaminas hidrossolúveis (vitamina C), vitaminas lipossolúveis (vitamina E e carotenoides) e elementos de elevado peso molecular, como o zinco e o ferro.

[...]

               A prática de exercícios com treinamentos regulares e eficientes pode favorecer a redução da produção de espécies reativas de oxigênio, o que pode ocorrer em função do aumento da defesa antioxidante, evitando a instalação da fadiga muscular e o aparecimento de lesões musculares, distúrbios comuns em períodos longos de competição.

            Oliveira et al. verificaram o efeito da suplementação de 22mg de gluconato de zinco na defesa antioxidante de jogadores de futebol que foram comparados a um grupo-controle. Os autores avaliaram as concentrações plasmáticas e eritrocitárias de zinco e a capacidade antioxidante antes e após 12 semanas de suplementação. Foi verificado um aumento do zinco plasmático em ambos os grupos, sendo maior no grupo suplementado. Entretanto, o zinco eritrocitário não foi alterado após o período da suplementação. Além disso, foi observada uma melhora da capacidade antioxidante nos atletas submetidos à suplementação.

               Alguns autores sugerem que a suplementação de zinco também possa estar relacionada com o aumento da performance em atletas. Recentemente, em um estudo realizado por Ali et al., foi avaliada a força do tríceps e quadríceps em estudantes submetidas à suplementação com o mineral e comparadas ao grupo-controle. De acordo com os resultados, após o uso do suplemento com 25mg/dia de gluconato de zinco durante 8 semanas, houve melhora da função muscular nos atletas que realizaram o exercício físico.

               Em outro estudo realizado com jogadores de futebol, foi observada diferença estatística na potência dos músculos do grupo suplementado com zinco, quando comparada com a do grupo-controle. Concomitante a esse estudo, VanLoan et al. verificaram em sua pesquisa relação inversa entre a depleção aguda de zinco e a capacidade de trabalho musculoesquelético. Diversas investigações têm sido realizadas na perspectiva de esclarecer o estado nutricional relativo ao zinco em atletas, os mecanismos que favorecem a produção de espécies reativas de oxigênio após o exercício, bem como a participação no sistema de defesa antioxidante. No entanto, o entendimento sobre as alterações na distribuição de zinco e o papel desse mineral e da enzima Cu/Zn superóxido dismutase na defesa antioxidante em indivíduos fisicamente ativos ainda são escassos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

               Existem evidências experimentais que demonstram alterações na distribuição do zinco em atletas, bem como distúrbios bioquímicos e metabólicos decorrentes da deficiência desse mineral. Várias pesquisas mostram os resultados promissores da suplementação com zinco na melhora do sistema de defesa antioxidante em atletas que apresentam deficiência. Novos estudos sobre os mecanismos de interação do zinco diretamente com as enzimas que participam do sistema de defesa antioxidante poderão fornecer bases para o entendimento bioquímico da interação desse mineral com as alterações resultantes do estresse oxidativo. O desdobramento desse conhecimento poderá nortear outros ensaios clínicos para estabelecer o potencial terapêutico do zinco sobre o sistema de defesa antioxidante em atletas.

Para referências e artigo na íntegra acesse:

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Jejum gástrico e jejum metabólico

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               [...] as diferenças conceituais entre estar alimentado, sentir-se satisfeito e estar pronto para uma atividade física ou para o cotidiano não são tão claras assim para as pessoas que não trabalham intensamente com isso. Fazer uma refeição imediatamente antes da atividade física significa que você estará com o seu estômago cheio e não necessariamente que a energia que está consumindo estará disponível para você naquele momento, daí proponho falarmos em dois termos: jejum gástrico e jejum metabólico.

               Jejum gástrico seria o que estamos acostumados a atravessar, que nada mais é do que a ausência de refeições durante um determinado período, cuja sensação que experimentamos é a de “vazio”gástrico, falta de energia e, claro, a percepção psíquica de todo este desconforto, a qual chamamos de fome (se bem que às vezes usamos este nome para vontade de comer, não é verdade?).

               Jejum metabólico seria o período compreendido entre o término da refeição, o tempo de digestão e esvaziamento gástrico e a disponibilização destes nutrientes para o nosso corpo de forma a possibilitar que realizemos uma rotina diária ou uma rotina de exercícios com um desempenho satisfatório. Diferente do jejum gástrico, este não apresenta uma sensação tão pronunciada. O que acabamos experimentando é na realidade uma continuidade da sensação de falta de força e disposição, que no caso do período pós-prandial acaba por ser confundida ou intensificada pela alcalose pós-prandial – aquela sensação de sono e cansaço praticamente incontrolável que apresentamos especialmente depois de refeições muito volumosas e com alto teor de gordura.

               Sendo assim, nos são apresentadas duas situações extremamente importantes e um questionamento que deixo no ar para podermos debater. A primeira questão é a refeição anterior a que fazemos para nos preparar para o treinamento também é de vital importância, porque é dela que tiramos reserva energética para irmos para uma refeição mais focada no exercício sem que esta tenha de suprir as faltas energéticas e nutricionais do período antes dela e ainda preparar para a atividade física que está por vir.

               A segunda questão é a refeição anterior ao exercício deve ser programada também de acordo com o intervalo entre esta refeição e o exercício que está para ser realizado, sob pena de os nutrientes necessários para a realização deste não estarem disponíveis no momento em que se fizerem necessários. Percebo que as pessoas ficam focadas em gastos calóricos e nutrientes adequados como se fossem os aspectos mais importantes da refeição pré-treinamento, esquecendo-se de que a absortividade é que vai determinar se todo aquele cálculo valerá a pena, afinal um cálculo de absortividade enganado e a sessão de treinamento ficará prejudicada apesar dos esforços em disposição contrária. Claro que o equilíbrio de calorias e macronutrientes, o índice glicêmico, as relações da atividade com a fadiga e propriedades ergogênicas são de vital importância ao programarmos uma refeição de preparo ou de recuperação do treinamento (sim, de recuperação também!), mas se nos esquecermos da capacidade e velocidade de absorção e disponibilização, estaremos jogando nossos cálculos no lixo.

[...] 

               A questão que levanto diante disso é que acredito que deveríamos ser mais rigorosos com a forma de nos alimentar, não só na qualidade dos alimentos, mas também nas propriedades de cada um deles, principalmente na cinética que eles adquirem quando entram no nosso organismo (algo como uma farmacocinética ou farmacodinâmica dos alimentos - e por que não começarmos a utilizar os termos nutrocinética e nutrodinâmica?). Sendo assim, suplementos alimentares dariam vazão às nossas necessidades diárias com vantagens que deveriam ser avaliadas caso a caso. Fica a sugestão: uso suplemento alimentar para quem precisa e não para quem quer, e você?

PAULO CAVALCANTE MUZY
Médico pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp
Especialista em Fisiologia do Exercício pelo CEFE/Unifesp
Especialista em Artroscopia e Traumatologia do Exercício pela PUC Campinas 
CRM-SP: 115.573

Originalmente publicado no blog "superperformance".