MONITORAMENTO E PREVENÇÃO DO SUPERTREINAMENTO EM ATLETAS
Revista Brasileira de Medicina do Esporte
Rodrigo Nascimento Alves, Leonardo Oliveira Pena Costa e Dietmar Martin Samulski
RESUMO
O supertreinamento é caracterizado pelo desequilíbrio entre estresse e recuperação. Além disso, os fatores de estresse podem ser encontrados não apenas em situações do treinamento e da competição, mas também naquelas relacionadas a extratreinamento e extracompetição. Por sua vez, os atletas na tentativa de alcançar altos níveis de desempenho com o treinamento podem tornar-se excessivamente treinados, exibindo sinais e sintomas do supertreinamento. Esses sintomas podem manifestar-se por queda no desempenho, fadiga crônica, infecções respiratórias e alterações do humor. Embora não exista indicação de que o supertreinamento cause danos irreversíveis ao atleta, o risco de lesão, doenças ou retirada prematura do esporte é aumentado, diminuindo sobremaneira as expectativas e a qualidade de vida dos atletas no esporte. Baseado nesses acometimentos, pretendeu-se estudar parâmetros e instrumentos, através de uma revisão bibliográfica, com possibilidade de monitoramento e prevenção nos âmbitos fisiológico e psicológico. Conclui-se que, para o monitoramento, a melhor estratégia é associar parâmetros psicológicos com avaliações fisiológicas. É preconizada a implantação de programa sistematizado de prevenção aos efeitos nocivos no desempenho, na saúde e, conseqüentemente, no bem-estar do atleta.
Palavras-chave: Treinamento excessivo. Estresse. Recuperação.
DEFINIÇÕES E PRINCÍPIOS DO SUPERTREINAMENTO
Para Budgett, "a síndrome do supertreinamento é uma condição de fadiga e baixo rendimento, freqüentemente associado com quadros de infecções e depressões com o decorrer de treinamentos e competições intensas, em que os sintomas não cedem em duas semanas de repouso e não apresentam uma causa clínica identificável". Muitos pesquisadores denominam o fenômeno ou a síndrome do supertreinamento de diferentes formas: fadiga crônica ou persistente (overfatigue), estafa física (staleness), exaustão emocional (burnout), uso excessivo (overuse – termo utilizado também para lesões esportivas com característica microtraumática) e trabalho excessivo (overwork). Para outros, essa ausência de padronização terminológica causa confusão e dificuldade ao determinar as formas diagnósticas. Alves considerou todas as formas de apresentação acima citadas como processo causal ou sintomático; foi considerado como conseqüência, efeito ou resultado do processo o supertreinamento propriamente dito.
Segundo Lehmann et al., o supertreinamento ocorre devido a um desequilíbrio entre estresse e recuperação, ou seja, grandes fatores estressantes combinados com pouca recuperação. Contudo, Lehmann et al. observam que as fontes de estresse podem ser encontradas não apenas em situações do treinamento e da competição, mas também naquelas advindas do extratreinamento e extracompetição. Assim, aspectos sociais, educacionais, ocupacionais, econômicos, nutricionais, viagens (sem a possibilidade de escolha pelo atleta) e monotonia atuam no aumento do risco de desenvolver o supertreinamento.
Kreider et al. diferenciam o supertreinamento a curto prazo (overreaching) e a longo prazo (overtraining), observando suas distinções para compreensão da relação do treinamento esportivo e rendimento. O supertreinamento a curto prazo é descrito como sendo o decréscimo de desempenho atlético em um curto período de tempo, em que o rendimento normal pode retornar de poucos dias a duas semanas de recuperação. Nesse momento, ocorre a melhoria do desempenho através da supercompensação ou treinamento ideal. Já o supertreinamento a longo prazo é caracterizado por um decréscimo persistente do desempenho atlético, acompanhado geralmente (embora nem sempre) por alterações bioquímicas, fisiológicas e psicológicas, com tempo de reversão do estado ocorrendo de algumas semanas a meses de recuperação.
Os atletas, na tentativa de alcançar altos níveis de desempenho com o treinamento podem ser levados ou se tornarem excessivamente treinados, e freqüentemente exibir sinais e sintomas do supertreinamento. Dentre esses sinais estão incluídos fadiga crônica, estagnação ou decréscimo no desempenho, infecções respiratórias e alterações no humor. Embora não exista indicação de que o supertreinamento cause danos irreversíveis ao atleta, o risco de lesão, doenças ou retirada prematura do esporte é aumentado. Para o controle desses fatores, o repouso ou treinamento reduzido dentro do programa de treinamento durante algumas semanas ou meses tornam-se necessários para uma completa recuperação física e mental do atleta.
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INCIDÊNCIA DO SUPERTREINAMENTO EM ATLETAS
A relevância na compreensão dessa situação foi recentemente demonstrada por Gould et al. na Olimpíada de Atlanta, 1996. Investigações realizadas entre 296 atletas de 30 diferentes esportes mostraram que 84 deles (28%) estiveram em um estado de supertreinamento e que este explicava a queda de seus desempenhos. Em estudos realizados nas Olimpíadas de Inverno – Nagano, 1998, Gould et al. observaram que oito dos 83 atletas olímpicos americanos (quase 10%), de 13 diferentes esportes, reportaram que estiveram com supertreinamento e que isto os levou a um baixo desempenho. Os mesmos atletas consideraram também outros fatores contribuintes para o supertreinamento, como as viagens excessivas, diminuição de períodos de repouso, diminuição do tempo necessário para recuperação e um estilo de vida "pouco saudável".
Segundo outros pesquisadores, a incidência quanto aos sinais e sintomas de supertreinamento pode variar entre 7 e 20%. Anos depois, pesquisas realizadas com atletas de endurance (esportes predominantemente aeróbicos), especialmente nadadores, observaram resultados semelhantes (7% a 21%), sendo que 10% apresentavam sintomas graves. A incidência do supertreinamento no esporte varia de acordo com a modalidade. Esportes que envolvem grandes cargas de treinamento freqüentemente demonstram maior número de resultados negativos, como as modalidades de corridas, natação, ciclismo e remo.
Embora mais freqüentemente seja notado em atletas de elite, o supertreinamento é também um problema em outros níveis de participação. Por exemplo, Raglin e Wilson sugeriram que jovens atletas acometidos pelo supertreinamento, resultante da carga física, e com resultados negativos no treinamento, são particularmente submetidos a carga de treinamento comparável à dos atletas adultos e de elite. Um estudo intercultural e bem-controlado, utilizando testes físicos, psicológicos e registro da carga de treinamento, mostrou que, de 231 jovens nadadores, com média de idade de 14,8 anos, 35% (81) apresentaram estafa física (staleness), concluindo que a freqüência de jovens atletas foi similar à encontrada entre os atletas adultos e de endurance. Esses achados são exemplos de como os atletas são diretamente influenciados pela prática do treinamento excessivo e recuperação deficiente, demonstrando a importância de um melhor entendimento desse fenômeno para favorecimento da qualidade de vida destes.
MONITORAMENTO DO SUPERTREINAMENTO
Embora haja uma nítida escassez de estudos bem controlados nos quais se relatam critérios para o diagnóstico, a queda do desempenho atlético, juntamente com a fadiga crônica, é evidente indicador da síndrome do supertreinamento e tem sido usado para diagnose da síndrome. Entretanto, pouco tem sido feito para quantificar estes fatores e há pouco consenso de quanto do rendimento deva estar deteriorado antes de o supertreinamento ser diagnosticado. Segundo Hooper et al., os decréscimos do desempenho, principalmente aqueles associados a um fator desconhecido e que são claramente um resultado do supertreinamento, variam de 0,7 a 15% do rendimento. Vários investigadores têm sugerido que a estagnação no rendimento é suficiente para indicar o supertreinamento quando considerados em conjunto com outros sinais e sintomas. Uma vez que o desempenho esteja deteriorado e a fadiga se tornado cronicamente alta, é freqüentemente tarde para evitar a síndrome do supertreinamento.
O uso somente de sinais e sintomas subjetivos, tais como sono insuficiente e dor muscular, dificulta o diagnóstico, pois os mesmos não são demonstrados em todos os indivíduos, além de poderem também aparecer como resultado de outras doenças. Pesquisadores de diferentes áreas do esporte e da saúde vêm tentando buscar soluções diagnósticas a respeito do supertreinamento, sejam eles médicos, psicólogos, preparadores físicos e fisioterapeutas. Dentre os critérios discutidos, podemos salientar: (1) história da saúde do atleta; (2) reconhecimento dos marcadores e atenção ao identificá-los o mais brevemente possível; (3) análise de variáveis fisiológicas e (4) utilização de medidas psicológicas para acompanhamento das percepções e emoções dos atletas.
Baseado nesse contexto interdisciplinar na identificação da síndrome, um grande número de sinais e sintomas está associado ao supertreinamento, devendo ser cuidadosamente acompanhado e monitorado o mais atentamente possível pela equipe. Fry et al. agruparam essa variedade de sintomas em quatro categorias: (1)Fisiológicos; (2)Psicológicos; (3)Neuroendócrinos ou bioquímicos; e (4)Imunológicos. Contudo, baseadas nas diferentes combinações de manifestações nos atletas, outras categorias foram associadas: (5) Parâmetros de desempenho e (6) Processamento de informação.
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RECOMENDAÇÕES PARA PREVENÇÃO DO SUPERTREINAMENTO
Diminuição do desempenho prolongado, lesão, doença, retirada prematura do esporte e comprometimento da qualidade de vida do atleta são efeitos nocivos prováveis na ocorrência do supertreinamento e, neste caso, a prevenção torna-se a meta principal. A seguir, são apresentadas recomendações para prevenir supertreinamento em atletas:
CONCLUSÃO
Um programa de monitoramento para o supertreinamento pode ser considerado parte integral no gerenciamento da qualidade de vida e na manutenção do status profissional dos atletas durante suas carreiras. Entretanto, os métodos mais apropriados para tal programa são ainda discutidos. Testes fisiológicos compreensivos não têm sido mostrados ser mais eficientes do que testes psicológicos, com maior facilidade de procedimento e com menores custos, como, por exemplo, POMS, QER-D e registro de cargas diárias de treinamento. Por outro lado, mecanismos fisiológicos podem mediar respostas psicológicas no supertreinamento, sugerindo para o monitoramento a associação de parâmetros psicológicos em conjunto com avaliações fisiológicas, bioquímicas e/ou imunológicas. Desta forma, baseado na complexidade e na dificuldade de detecção do supertreinamento no esporte, conclui-se que a melhor ação de treinadores e profissionais relacionados ao esporte, como médicos, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos, é a implantação de um programa sistematizado de prevenção aos efeitos nocivos no desempenho, na saúde e conseqüentemente no bem-estar do atleta.
Para referências e artigo na íntegra acesse:
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