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sexta-feira, 14 de junho de 2013

Glutamina

CONSEQUÊNCIAS DO EXERCÍCIO PARA O METABOLISMO DA GLUTAMINA E FUNÇÃO IMUNE 
Revista Brasileira de Medicina do Esporte

Jair Rodrigues Garcia Júnior, Tânia Cristina Pithon-Curi, Rui Curi

RESUMO

               Para o atleta, o objetivo do treinamento é aperfeiçoar sua capacidade física para obtenção do melhor desempenho em competições. Isso o leva a procurar os mais novos e eficientes métodos de treinamento. Um aspecto importante do programa de treinamento é o período de recuperação entre as sessões de exercícios, imprescindível para que ocorram as adaptações fisiológicas, como as alterações morfológicas e a supercompensação das reservas energéticas. A liberação de glutamina pelos músculos esqueléticos é aumentada durante o exercício. Como consequência, o conteúdo muscular de glutamina diminui após um exercício extenuante. Este aminoácido, entretanto, é muito importante para a funcionalidade dos leucócitos (linfócitos, macrófagos e neutrófilos). Portanto, após um exercício intenso, a concentração plasmática de glutamina diminui, suprimindo a função imune e tornando o indivíduo mais suscetível a infecções respiratórias. Nesta revisão são discutidas as implicações do exercício sobre o metabolismo dos músculos esqueléticos e leucócitos. 

Palavras-chave: Exercício. Função imune. Glutamina. Leucócitos. Infecção.

INTRODUÇÃO

               A busca constante por um melhor desempenho é o objetivo principal de todos os atletas, independentemente do esporte praticado. Esse objetivo é alcançado somente com a soma de vários fatores, mas principalmente pela escolha criteriosa dos métodos de treinamento. Apesar da evolução desses métodos e das pesquisas aplicadas em áreas correlatas que contribuem significativamente para melhorar o desempenho, não é possível minimizar o papel de três variáveis que constituem a base de qualquer programa de treinamento: intensidade, freqüência e duração do exercício.

               Essas variáveis são fundamentais para o aprimoramento da capacidade física, porém a ansiedade por melhor desempenho, por vezes, faz com que essas sejam utilizadas em excesso. Este fato, aliado a períodos de recuperação insuficientes, resultam em uma condição conhecida como síndrome do excesso de treinamento (overtraining). Tal estado é denominado de síndrome devido às várias alterações que acarreta, comprometendo desde a capacidade de treinamento e desempenho em competições, até aspectos fisiológicos e emocionais. Dentre as alterações fisiológicas, deve-se incluir a função imune.

               É do comprometimento do sistema de defesa relacionado com a atividade física que trataremos nesta revisão. Serão mostrados o metabolismo e a funcionalidade das células do sistema imune e sua relação com o metabolismo dos músculos esqueléticos, tendo como elo o aminoácido glutamina.

CÉLULAS DO SISTEMA IMUNE E DA RESPOSTA INFLAMATÓRIA

               Linfócitos, macrófagos e neutrófilos desempenham um papel central na resposta imune e inflamatória. Linfócitos são células circulantes, têm sua origem nos tecidos linfóides primários (timo e medula óssea), podendo migrar para os órgãos linfóides secundários (baço, linfonodos e placas de Peyer). Encontram-se em estado quiescente até serem estimulados a proliferar, por exemplo, durante uma infecção por vírus ou bactérias. Os macrófagos podem diferir em suas características bioquímicas, estruturais e funcionais, dependendo do estado de diferenciação, do microambiente e de sua localização no organismo. Em função de sua localização, recebem diferentes denominações: do sistema nervoso central (microglia), fixos no fígado (células de Kupffer), da epiderme (células de Langerhans), do osso (osteoblastos) e os macrófagos livres do espaço alveolar e cavidades serosas. Entretanto, os macrófagos, independentemente de sua localização, compartilham de algumas das propriedades gerais que os tornam semelhantes entre si, como propriedades de espraiamento, de fagocitose e fungicida, bactericida e tumoricida.

               Neutrófilos constituem cerca de 60% dos leucócitos circulantes em seres humanos adultos e são as primeiras células de defesa na resposta inflamatória aguda. Microrganismos fagocitados, recobertos ou não com complemento ou anticorpo específico, são mortos por proteínas citotóxicas derivadas dos grânulos citoplasmáticos e por uma combinação de espécies reativas de oxigênio geradas pelo neutrófilo.

               Apesar da inquestionável importância dessas células na resposta imune e inflamatória, relativamente pouco se sabia sobre o metabolismo e sua implicação para as diferentes funções desses tipos celulares. Na década de 80, o grupo do Prof. Eric Newsholme determinou que macrófagos e linfócitos utilizam glutamina em altas taxas e, recentemente, no nosso laboratório, foi verificada pela primeira vez a utilização de glutamina também por neutrófilos.

[...]


VIAS DE SÍNTESE E DEGRADAÇÃO DA GLUTAMINA

               Mais da metade da glutamina consumida na dieta e absorvida é utilizada pelas próprias células intestinais que, por se renovarem rapidamente (poucos dias), necessitam sintetizar constantemente compostos estruturais, principalmente a partir da glicose e desse aminoácido. Dessa forma, a maior proporção da glutamina circulante (concentração aproximada de 0,6mmol/L) é proveniente dos músculos esqueléticos, que sintetizam e exportam glutamina e alanina para a circulação, em especial durante situações de catabolismo intenso, como no jejum prolongado e exercício.

               A síntese e a hidrólise de glutamina em tecidos de mamíferos foram primeiramente descritas por Krebs em 1935. A síntese de glutamina ocorre preferencialmente no músculo esquelético, fígado, tecido adiposo e cérebro, enquanto a hidrólise ocorre nos rins, linfonodos, macrófagos, trato gastrintestinal e tecido adiposo.

[...]

               A glutamina é o aminoácido livre mais abundante nos músculos esqueléticos, tendo uma concentração normal de 20mmol/L. Exercícios de intensidade moderada (quase intensa) depletam os estoques musculares de glicogênio e demandam elevado metabolismo dos aminoácidos de cadeia ramificada. A concentração de glutamina muscular então é aumentada nos primeiros momentos desse tipo de exercício, porém volta ao normal em seguida devido a sua exportação para a circulação. Nesta, a glutamina tem com principais destinos o fígado e os rins, onde é utilizada no processo de gliconeogênese. Alguns estudos demonstraram que a glutamina é o principal precursor para a gliconeogênese hepática38,39. Outros destinos da glutamina são as células intestinais e, principalmente, as células do sistema imune durante o exercício, quando ocorre leucocitose.

METABOLISMO MUSCULAR DURANTE O EXERCÍCIO 

               A molécula de trifosfato de adenosina (ATP), por meio da quebra das ligações de alta energia entre seus fosfatos, fornece energia para a contração muscular, porém sua concentração nos músculos é pequena, suficiente para poucos segundos de contrações musculares apenas. Por isso, existem três sistemas muito eficientes para a ressíntese constante das moléculas de ATP durante o exercício. A predominância de um ou outro sistema é determinada pela intensidade e duração do exercício.

            O primeiro sistema pode ser denominado de creatina-fosfato (CP) devido à utilização da energia dessa ligação fosfato para a ressíntese do ATP. Esse sistema atua imediatamente após a utilização do ATP armazenado, mas também é suficiente para apenas poucos segundos adicionais de contrações. É acionado no início de qualquer atividade física.

               O segundo sistema é a glicólise anaeróbia e decorre da quebra da glicose até a formação de ácido lático com ressíntese de ATP independente de O2. É um sistema muito potente, ou seja, com capacidade elevada de ressíntese de ATP em curtos períodos; por isso, é utilizado durante exercícios intensos com duração máxima de poucos minutos, já que a diminuição do pH provocada pelo ácido lático inibe algumas enzimas dessa via e impede a continuação do processo.

               O último sistema é a fosforilação oxidativa. Nesse, a ressíntese de ATP ocorre durante o transporte de elétrons, sendo o O2 o aceitante final dos mesmos. Esse é considerado o sistema mais eficiente em quantidade de ATP ressintetizada, porém consegue atender plenamente somente as demandas de exercícios de intensidade moderada, quando a oferta de oxigênio é suficiente. Além de sintetizar mais ATP que os outros sistemas, essa via apresenta outra vantagem, que é a capacidade de gerar energia a partir de três substratos energéticos: glicose, ácidos graxos e aminoácidos. De qualquer forma, tanto em exercícios moderados como intensos, o principal substrato energético utilizado é o glicogênio e a duração do exercício, até que haja diminuição do desempenho ou se atinja a exaustão, é determinada pelos seus estoques nos músculos solicitados.

               No período de recuperação ocorre um processo chamado de débito de O2, no qual o metabolismo continua elevado durante várias horas, porém em constante declínio, podendo ser dividido em três fases: 1) fase rápida, com duração de poucos minutos, suficiente para a repleção dos fosfagenos (ATP e CP) e reoxigenação da mioglobina e hemoglobina; 2) fase lenta, com duração de aproximadamente uma hora, quando o lactato é convertido a glicose e glicogênio (gliconeogênese hepática); 3) fase ultralenta, com duração de várias horas, em que se propõe que a estimulação dos ciclos de substratos (interconversões de substratos, como proteína ® aminoácidos ® proteína, por exemplo) seja o fator responsável pelo débito de O2. A utilização dos substratos nesse período é determinada pelo consumo de nutrientes. Caso nada seja consumido além de água, o catabolismo de proteínas e a mobilização de ácidos graxos continuam, com esses últimos sendo utilizados como principal substrato. Em havendo consumo de nutrientes, principalmente carboidratos, o anabolismo protéico e a reesterificação dos ácidos graxos são estimulados e a glicose passa a ser utilizada como o principal substrato.

               Uma peculiaridade dos músculos esqueléticos em relação ao metabolismo dos aminoácidos é que, ao mesmo tempo que utilizam alguns deles (leucina, isoleucina, valina, glutamato, aspartato e asparagina) para a oxidação ou síntese de intermediários do ciclo de Krebs, sintetizam alanina e glutamina, que são exportados para a circulação, onde tomam destinos diversos. Tanto a alanina quanto a glutamina desempenham um papel muito importante, que é o de carrear a amônia resultante da desaminação de outros aminoácidos para o fígado e rins, evitando que os músculos acumulem esse composto tóxico.

CONCENTRAÇÃO PLASMÁTICA DE GLUTAMINA DURANTE E APÓS O EXERCÍCIO 

               O treinamento tem como característica estimular adaptações morfológicas e metabólicas nos músculos esqueléticos e alterar a mobilização e utilização de substratos energéticos. Tais alterações geralmente trazem benefícios para o desempenho e saúde do atleta; entretanto, podem também interferir no equilíbrio metabólico e endócrino e prejudicar alguns sistemas.

               O supertreinamento, particularmente, constitui-se numa situação extrema para o atleta, pois é caracterizado pela incapacidade de recuperação adequada após sucessivas seções de treinamento. A sensação de fadiga persiste mesmo após os períodos regulares de recuperação e acarreta alterações emocionais, comportamentais e físicas. Essa situação é prejudicial ao atleta não apenas pela impossibilidade de continuação do programa de treinamento e pela queda do desempenho nas competições, mas também pelas conseqüências fisiológicas relacionadas à sua própria saúde.

               Estudos têm relacionado o excesso de treinamento, treinamento intenso e também exercícios de longa duração com a diminuição da resposta imune. Essa condição decorre de alterações hormonais e do metabolismo dos músculos esqueléticos e das células envolvidas no mecanismo de defesa.

               A diminuição da concentração plasmática de glutamina tem sido mencionada por diversos autores como o fator que reduz a funcionalidade dos leucócitos, deixando o atleta mais vulnerável a infecções.

[...]

               O efeito do exercício sobre a concentração plasmática de glutamina (ou produção de glutamina pelos músculos esqueléticos) varia de acordo com a intensidade do esforço. Em exercícios de baixa intensidade, a concentração plasmática de glutamina não se altera, enquanto em esforços moderados aumenta e em atividades intensas há diminuição. [...]

SUPLEMENTAÇÃO DE GLUTAMINA 

               A importância da suplementação de glutamina vem sendo estudada em processos que envolvem respostas imune e inflamatória. A concentração plasmática de glutamina está diminuída em condições de estresse, tais como em pacientes queimados, durante a septicemia, pós-cirurgia, após exercícios de resistência e no supertreinamento. Além disso, indivíduos submetidos a um período de dez dias de treinamento intenso, com tempo insuficiente de repouso entre as sessões, apresentam redução de 50% na concentração plasmática de glutamina. Koyama et al. também demonstraram a importância da glutamina para a proliferação de linfócitos num estudo no qual compararam o efeito do treinamento e da injeção de metionina sulfoximina (MS), uma droga inibidora da glutamina sintetase. Como esperado, após o treinamento, houve aumento significativo da concentração plasmática de corticosterona e diminuição significativa da capacidade proliferativa dos linfócitos bem como da concentração plasmática de glutamina. Com a administração da droga MS, houve o mesmo efeito de diminuição da concentração plasmática de glutamina e da proliferação de linfócitos sem, no entanto, haver alteração da concentração de corticosterona.

               Há evidências de que, em exercícios intensos e prolongados, a ingestão de fluidos contendo glutamina reduz a incidência de infecções no trato respiratório.Outro estudo demonstrou a eficiência de uma suplementação de glutamina em diminuir a incidência de infecções em atletas durante sete dias após exercício prolongado. No grupo placebo, foi observada incidência de infecções em 51% dos atletas, enquanto no grupo suplementado esta foi de apenas 19%.


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